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A semana de quatro dias não é um fait divers

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Pedro Gomes

Pedro Gomes 

Professor associado em Birkbeck University of London, autor do livro “Sexta-feira é o Novo Sábado.” 

 

 Discutir a semana de quatro dias é refletir sobre a baixa produtividade das empresas, em concreto e não em abstrato. É notar que o valor de um emprego para um trabalhador não é apenas o salário. 

24 jul. 2022, 01:1017 publicado em OBSERVADOR.PT 

 

O tema da semana de trabalho de quatro dias entrou como um tsunami no espaço mediático em Portugal e fez estremecer algumas elites. A ideia foi caracterizada como fait divers, inqualificável, demagógica, loucura mansa, ou uma farsa política do pior– enfim,uma tentativa de distrair os portugueses dos assuntos verdadeiramente relevantes. Nada está mais longe da verdade! A discussão sobre a semana de quatro dias não tem caráter de urgência, mas é das mais importantes discussões que o país pode ter. Não só força a encarar a vida real dos portugueses, como obriga a uma reflexão profunda sobre a nossa economia e os seus principais problemas. 

Discutir a semana de quatro dias é refletir sobre a baixa produtividade das empresas, em concreto e não em abstrato. É constatar que Portugal tem das mais altas incidências de acidentes de trabalho na Europa que condiciona todas as empresas a gastarem milhões em prémios de seguro, e descobrir que reduzir as horas de trabalho pode melhorar o problema. É verificar que o  absentismo tem custos elevados – atualmente na indústria do vestuário  20 por cento da mão-de-obra falta diariamente – e que pode ser reduzido dando mais descanso aos trabalhadores. É calcular que o burnout e o stress custam 3.2 mil milhões de euros às empresas portuguesas e esclarecer que o problema não se soluciona com workshops de saúde mental. É notar que o valor de um emprego para um trabalhador não é apenas o salário, e que existem outras formas das empresas o valorizarem para superar os problemas de recrutamento, nomeadamente oferecendo horários mais curtos. É estudar como se podem melhorar os processos dentro da empresa e reduzir os erros na produção, erros que geram desperdício de matérias primas, queixas de clientes ou casos de litígio. É avaliar os elevados gastos com o transporte casa-trabalho-casa dos trabalhadores e com a fatura energética das empresas, bem como inventar formas de os reduzir. É  sobretudo consciencializar que não existem varinhas mágicas e que estes problemas, que afundam os nossos índices de produtividade, não se resolvem com uma redução de impostos, mas sim com um esforço conjunto entre trabalhadores e gestores. 

Mas debater a semana de quatro dias é ir mais longe.  É expor a falta de empreendedorismo em Portugal, e descortinar que, antes do nascimento de uma empresa, tem de existir uma ideia e um projeto e que é necessário tempo para os desenvolver, tempo que nenhum banco vai financiar. É também observar as grandes mudanças estruturais que ocorreram na nossa economia e antecipar as que estão por chegar. É olhar para todo o progresso tecnológico das últimas décadas e testemunhar que a promessa de libertação do homem não tem sido cumprida. É assistir ao crescente uso de inteligência artificial e de robôs e averiguar como minimizar as consequências nefastas que podem ter no mercado de trabalho. É tomar consciência da mudança do papel da mulher na sociedade nos últimos 50 anos e das consequências que isso trouxe para as famílias cada vez mais esvaziadas de tempo. É raciocinar sobre como podemos aumentar a taxa de natalidade em Portugal e evitar a migração das gerações mais qualificadas para o estrangeiro, e compreender que, a par dos salários baixos, os horários excessivos e a crónica falta de tempo são duas das mais importantes causas do decréscimo populacional. É relacionar essa falta de tempo com o facto dos portugueses lerem poucos livros, praticarem pouco desporto, ou irem poucas vezes à missa. É assustarmo-nos com os impactos das alterações climáticas, e ponderar como podemos agir sem prejudicar a economia. É imaginar um sistema económico resiliente, sustentável e menos desigual. É procurar outras soluções para os mesmos problemas, como quem procura outros verbos para os mesmos raciocínios. 

Filosofar sobre a semana de quatro dias não é perder tempo. É meditar sobre todos os problemas de Portugal e, acima de tudo, questionar como se reforma um país irreformável. Podemos ter todas as certezas sobre quais são as soluções de que o país precisa, mas depois de 15 anos trágicos, quem é que acha que conseguiremos mobilizar um povo para superar os seus ‘vícios’ em nome de algo tão abstrato como o “déficit, ” “o equilíbrio externo,” ou a “economia”? Eu tenho a minha proposta. Se no fundo do túnel estiver um fim-de-semana de três dias, eu acredito que os portugueses estarão dispostos a mudar, pois anseiam ser mais felizes. 

Pensar a política económica em Portugal é sempre e só sobre dinheiro – subsídios, financiamento, apoios, impostos, “bazucas” – como se os incentivos financeiros fossem um remédio único para todos os males. A ciência económica estuda a importância dos incentivos, mas também das restrições, e nas sociedades modernas o tempo é o bem mais escasso. Ruminar sobre como utilizamos o nosso tempo é tudo menos um fait divers. Aliás, parece-me uma proposta ideal para um mês de Agosto, quando todos temos mais tempo e menos pressa. 


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