O sindicato é o que fizeres dele, camarada
O SINDICATO É O QUE FIZERES DELE, CAMARADA
Olá.
Ainda não deixou de me surpreender a capacidade do capitalismo em lucrar até com os princípios de anticapitalistas. Para proveito do patronato, trabalhadores abandonam sindicatos por uma miríade de razões. A partir da newsletter da semana passada do meu camarada Ricardo Esteves Ribeiro, gostava de olhar um dos veículos de destruição dos movimentos de trabalhadores: a outrização do sindicato, que o transforma num organismo externo a uma massa de trabalhadores que representa, com quem mantém uma relação burocrática. Essa conceção mercantil do sindicato, em que trabalhadores que não contribuem para a gestão do sindicato apenas com ele interagem num modelo transacional, para exigir resposta a necessidades individuais — pedir apoio jurídico nos seus processos, a publicação de comunicados sobre as suas indignações, ou a organização de colóquios sobre os seus interesses — torna o sindicato num prestador de serviços.
Há sindicatos que se põem a jeito. Mantêm-se hierarquizados e nas mãos das mesmas figuras anos a fio. Enredam-se em lutas pírricas de que extraem conquistas pífias.
Promovem a adesão dando acesso a descontos, anunciando que as quotas são bonificadas no IRS, ou proclamando-se uma seguradora: “paga todos os meses que, um dia, podes precisar de usar os nossos advogados”. Portanto, vendo piorar as suas condições laborais a cada ano, quem trabalha perde esperança na capacidade de um sindicato forçar melhorias quotidianas, quanto mais fundamentalmente reformular o modelo de organização social que o vota a toda a vida obedecer a uma direção e pedinchar aumentos esporádicos à administração. Como que deixando de comprar na mercearia que vende fruta podre, se o sindicato não resolve as nossas dificuldades diretas, abandonamos o projeto coletivo.
Mas a crítica sindical centrada nestes desapontamentos pessoais, mesmo que graves, indicia uma falha de perspetiva. Ao primeiro parágrafo, Ricardo Esteves Ribeiro afirma que, quando se juntou ao Sindicato dos Jornalistas (SJ), em 2018, tinha “ganas de lutar por melhores condições materiais” para a classe, percebendo que “o mínimo seria dar força ao sindicato”. Mas o exemplo que regista para como quis “ajudar quem já despendia da sua energia para lutar por mais e melhores direitos por quem trabalhava ao seu lado” é providenciar “mais uma inscrição sindical e os poucos euros mensais que ela significava”.