O DIA SEGUINTE É OBRA!
Numa rara demonstração de pluralidade e convergência cívica, 55 dos mais destacados juristas na área do Direito do Trabalho, dirigentes sindicais da CGTP (de que apenas se autoexcluíram, apesar do convite feito, os sindicalistas do PCP), da UGT e de importantes sindicatos, filiados e não filiados, membros de CT de importantes empresas, vários dos mais qualificados investigadores sociais da área das relações de trabalho e cidadãos com relevante intervenção política e social, decidiram em conjunto responder no espaço público à carta das confederações patronais, a qual teve ampla cobertura mediática, em que estas apelavam ao PR para bloquear a reforma laboral legitimamente aprovada na AR depois de um extenso processo de debate na Concertação Social, da discussão e audição públicas e de um longo processo de apreciação parlamentar.
Não é casual este crescimento nos últimos dias da pressão patronal sobre o poder político contra a reforma das leis laborais e a sua promulgação. Os prazos estão a correr. No passado dia 10 de Março foi entregue ao PR o texto definitivo da reforma laboral, tendo este vinte dias para promulgar ou vetar a lei (artigo 136º da CRP) e tendo também oito dias para requerer ao TC a apreciação preventiva da constitucionalidade (artigo 278º/3).
Também não é por acaso que as confederações patronais, na sua extensa exposição de 12 páginas, criticam e questionam a constitucionalidade de algumas das medidas da reforma mais relevantes para os trabalhadores (a irrenunciabilidade dos créditos laborais dos trabalhadores, com a eliminação da chamada “remissão abdicativa”, que tem sido um cutelo sobre os trabalhadores que cessam os contratos de trabalho; a proibição de contratação de “outsourcing” para postos de trabalho que tenham sido objeto de extinção ou de despedimento coletivo; o aumento do número de dias de faltas justificadas por falecimento de cônjuge; o conceito de trabalhadores autónomos economicamente dependentes e os seus direitos de representação e de inclusão nas convenções coletivas; etc.). Dispostas a tudo para bloquear o processo, recorrem ao argumento de que nem tudo o que foi aprovado constava das propostas discutidas previamente na Concertação Social no âmbito da chamada “Agenda do Trabalho Digno”, não hesitando em subverter e instrumentalizar esta instituição de diálogo social tripartido no ataque e confronto com o poder legislativo.
O texto publicado no Jornal de Negócios– ver aqui -, embora não conceda o exercício do contraditório às organizações de trabalhadores, tem o mérito de mostrar a hipocrisia patronal de não hesitarem em assumir a condição de “provedores” dos sindicatos ao invocarem falsamente que estes não teriam sido ouvidos quanto às alterações verificadas na especialidade. E apesar de ser claro, como é informado no texto, que apenas as associações sindicais e as CT têm o direito constitucional expressamente reconhecido de audição quanto às leis laborais. Que foi exercido no tempo devido.
A argumentação aduzida nesta matéria pelos patrões levaria ao absurdo de paralisar por anos um processo legislativo complexo, que envolveu inúmeras alterações ao Código do Trabalho e a outras leis, já que a lógica patronal exigiria que cada alteração negociada, e os compromissos estabelecidos em sede de especialidade entre os partidos parlamentares a partir das propostas que apresentaram, fossem então sujeitos a sucessivas audições públicas, antes da sua tramitação processual e deliberativa. Seria a redução ao absurdo de um processo que teve antes um prolongado período de discussão na Concertação Social das propostas do Governo, um outro período de audição pública e, depois, o intenso debate e trabalho parlamentar para o qual concorreram todos os partidos aí representados.
A posição dos signatários desta carta aberta, entre os quais se incluem vários associados da Práxis, é, como se pode ver no documento, abertamente crítica desta posição patronal. Valorizamos, e não desmerecemos, as virtudes da concertação social e do seu papel, enquanto instância privilegiada de diálogo social tripartido e de negociação e enquanto importante órgão de consulta do Governo, em tudo o que diz respeito a matérias laborais. Mas a tomada de posição pública do Conselho Nacional das Confederações Patronais pretende passar a ideia perigosa de que o fórum apropriado para elaborar a legislação do trabalho, no nosso país, não seria o parlamento, mas sim a concertação social, a que aquele se subordinaria.
Ora não se pode confundir concertação com legislação e pôr em causa a supremacia legislativa do parlamento, sob pena de cairmos em tentações corporativas.
É esse o alerta mais crítico e profundo que a carta aberta faz e a necessidade de não se consentir, por omissão ou distração, que no espaço público, nas instituições e no mundo do trabalho vingue uma posição tão antidemocrática e repetida, que usa a Concertação Social como arma de arremesso contra o poder legislativo ao sabor das conveniências dos interesses económicos.
A carta aberta dos 55 alcançou larga projeção pública, sobretudo nos média online (embora assinalando o silêncio ensurdecedor do jornal Público), como se pode ver numa lista (abaixo) de algumas das notícias publicadas, embora em notória desvantagem face à força do poder económico na projeção mediática das suas mensagens, o que deve também fazer-nos refletir.
Importa igualmente refletir sobre o facto de, numa posição comum de pressão sobre o poder político, as confederações patronais aparecerem unidas enquanto as centrais sindicais, , permanecem divididas e mantêm o silêncio perante estas investidas, ressalvando a posição assumida de muitos dos seus dirigentes nesta carta aberta.
É verdade que a reforma das leis laborais aprovada é complexa, sobre ela são legítimas avaliações diferenciadas (como se verifica certamente entre os 55 subscritores) e a sua promulgação não dispensará um grande esforço de reflexão crítica e debate quanto aos problemas complexos da sua aplicação. Mas é também uma evidência que as críticas que podem ser feitas, do ponto de vista do mundo do trabalho, a esta reforma, são mais concretamente dirigidas ao que lá não está e devia estar do que ao seu conteúdo efetivo. No qual, diferentemente de reformas anteriores, não se registam retrocessos em direitos e existem progressos, limitados embora, em várias áreas.
A reforma das leis laborais, depois do percurso da sua promulgação, enfrentará a seguir o enorme desafio da concretização de numerosas inovações e mudanças e do seu confronto com a realidade concreta das relações de trabalho e a exigência para os juristas de interpretação de um grande volume de legislação complexa. A vontade política do Governo e as suas proclamações sobre a Agenda do Trabalho Digno vão ser postas à prova perante a evidente resistência dos interesses económicos organizados, de que a declaração pública das plataformas digitais em como não vão cumprir a lei é outro exemplo. Vão também ser postas à prova a eficácia e preparação dos tribunais e dos serviços da Administração Pública ligados ao trabalho que estarão na primeira linha da fiscalização, do estudo e do apoio à negociação coletiva, bem como a preparação das associações sindicais e das CT para, de modo esclarecido e informado, encontrarem as capacidades necessárias para interpretar em favor dos trabalhadores as ferramentas legais adquiridas. O dia seguinte é obra!
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Para os interessados em consultar notícias publicadas nos média online sobre a Carta Aberta dos 55 subscritores “Trabalho digno e democracia”, aqui ficam as respectivas ligações:
Entrevista Leal Amado na Antena Um: