A qualidade do escrutínio mediático e a questão da representatividade sindical na acção colectiva dos trabalhadores
A qualidade do escrutínio mediático e a questão da representatividade sindical
na acção colectiva dos trabalhadores
O Público do último dia de campanha eleitoral, com base num texto divulgado pela LUSA, faz notícia destacada – https://www.publico.pt/2025/05/15/economia/noticia/greve-vespera-eleicoes-afectar-educacao-saude-fisco-registos-2133156 – a propósito de uma “greve” convocada para hoje por um pequeno e obscuro sindicato sediado em Viana do Castelo, o STTS -Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Serviços e de Entidades com Fins Públicos, constituído em 2016 tendo como âmbito geográfico a comunidade intermunicipal do Alto Minho, que depois alargou para o âmbito nacional. Como fazem muitos sindicatos, pequenos ou grandes, numa guerra de paralelismo e competição de âmbitos que se tem vindo a agravar, dentro e fora das centrais sindicais. E que raramente tem correspondência numa expansão territorial real. Este sindicato afirma ainda ser parte de uma federação desconhecida – FESINAP -, também com sede em Viana do Castelo e cujo sítio na internet está “em construção”…
O STTS é, segundo os seus estatutos (artigo 3º, nº 1), “uma associação sindical que integra os trabalhadores por conta de outrem e que exerçam funções de serviços em todos os sectores de actividade, público, privado, cooperativo e social, incluindo o comércio, a restauração e o turismo, em todo o território nacional, qualquer que seja a natureza jurídica do seu vínculo profissional”, embora, no nº 2 do mesmo artigo, se foque principalmente no propósito de representar os trabalhadores de entidades públicas ou privadas correspondentes ao seu nome. Ou seja, propõe-se abranger e mesmo representar potencialmente todos os trabalhadores portugueses…
Do STTS não se conhece relevância e influência laborais e representatividade efectiva que excedam o seu presumível âmbito local. Mas o seu pré-aviso de greve serve de mote para uma notícia destacada na imprensa e produzida por uma agência noticiosa, no último dia da campanha eleitoral e susceptível de acrescentar alarme social à polémica no espaço público induzida pela forma como foi tratada a greve dos trabalhadores da CP, em que foi menorizada a responsabilidade maior do Governo da AD e que foi utilizada para atacar o direito de greve, o carácter público do serviço ferroviário de passageiros, os sindicatos e os partidos à esquerda.
Algumas observações sobre este episódio aparentemente menor, mas que deveria estimular a nossa reflexão sobre o papel e o trabalho dos média e sobre a questão da representação sindical dos trabalhadores e os processos de acção colectiva:
- Como embarcam os média na amplificação de uma iniciativa de um pequeno sindicato de origem local, sem escrutínio efectivo da sua representatividade ou influência conhecidas e reconhecidas e do seu impacto nos trabalhadores, apenas dando voz à palavra de um seu dirigente, como acontece no texto da LUSA em que este proclama que é esperada uma “adesão em massa” e que “A greve é nacional, para todos trabalhadores, independentemente do vínculo e da carreira”? É isto o cumprimento do seu papel de mediadores responsáveis para a produção de informação rigorosa e confiável? (ver aqui o texto da LUSA – https://eco.sapo.pt/2025/05/15/greve-da-funcao-publica-na-sexta-feira-pode-afetar-educacao-saude-fisco-e-registos/)
- Como continuam as confederações sindicais e as forças políticas a fechar os olhos à deterioração do sistema de relações colectivas de trabalho, afectado por processos crescentes e oportunistas de paralelismo e pulverização sindicais e negociais que são erradamente confundidos com protecção da liberdade sindical
- Quando haverá a vontade política para enfrentar responsavelmente e seriamente o problema da necessidade de criação de um sistema de aferição da representatividade das associações sindicais e de empregadores que assegure condições de negociação colectiva e de diálogo social mais responsáveis, confiáveis e saudáveis?
Existem 340 organizações sindicais registadas no MTSSS e a sua maioria, incluindo quase todas as que foram criadas nos últimos anos, não estão sequer filiadas nas duas confederações sindicais mais representativas, a CGTP-IN e a UGT.
Já é tempo de se deixar de assobiar para o lado em relação à necessária reflexão crítica e à discussão das medidas necessárias para o robustecimento dos sindicatos como pilar fundamental da democracia e da defesa do Estado Social. E de se superar a atitude defensiva, o imobilismo, o conservadorismo e a defesa do status quo que têm imperado no enfrentamento da crise de representação do sindicalismo. Em defesa e para maior valorização do generoso, solidário e diário trabalho de muitos milhares de dirigentes, delegados sindicais e outros activistas laborais, impõe-se a construção de uma nova agenda para o mundo do trabalho, orientada para a renovação e fortalecimento do mundo do trabalho organizado. Enfrentar a questão da representatividade e da representação sindicais é parte dessa agenda.
17/05/2025
Henrique Sousa