Encerramento do comércio aos domingos e feriados com redução do horário de funcionamento à semana, para as 22 horas
Encerramento do comércio aos domingos e feriados com redução do horário de funcionamento à semana, para as 22 horas
É AGORA?
A redução do horário de trabalho e a limitação das jornadas de trabalho sempre foi um tema central no quadro da regulação das relações laborais. Em causa estão mecanismos fundamentais de dignificação do trabalho, de promoção da saúde e segurança em contexto laboral, bem como de conciliação do trabalho com a vida pessoal e familiar. A alínea b), do n.º 1 do artigo 59. º da Constituição da República Portuguesa, que possui um acervo significativo de direitos do trabalho, na sua dimensão individual e coletiva, prevê que todos os trabalhadores têm direito “à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar”.
Há várias medidas que têm sido propostas quer pelas centrais sindicais, quer pelos partidos à esquerda com representação parlamentar com vista a atingir esse objetivo: i) a introdução das 35 horas no setor privado; ii) a limitação e a regulação do regime do trabalho por turnos e da laboração contínua, dada a sua penosidade e os seus impactos nocivos na saúda física e mental; iii) o aumento dos dias férias ou o iv) projeto piloto da semana de 4 dias. Contudo, as iniciativas legislativas sobre medidas como as 35 horas ou a regulação do regime de turnos têm sido chumbadas, mesmo em contextos em que a correlação de forças no Parlamento permitiria avanços de relevo.
Nenhuma destas medidas, por si só, é capaz de responder de forma cabal aos riscos associados à atividade laboral, mas todas elas, independentemente das suas insuficiências, sobretudo num quadro de enorme fragilidade da contratação coletiva, vão ao encontro de uma ideia de trabalho decente, fazendo uma tradução literal daquela que é a designação adotada pela Agenda 2030, da Organização Internacional do Trabalho, conceito que formalizou em 1999.
Alinhada com as preocupações acima descritas, surge a Iniciativa Legislativa Cidadã (ILC) lançada em 2023 por membros do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP) para o encerramento do comércio aos domingos e feriados com redução do horário de funcionamento à semana, para as 22h atingiu o seu objetivo e chegou às 20 000 assinaturas necessárias para ser discutida e votada em plenário da Assembleia da Repúblico.
O setor do comércio e serviços, no quadro de um sistema capitalista que se vai reinventado e procurando manter estado de vigília permanente, o tal em que não se dorme e de que fala Jonathan Crary na obra 24/7 – O Capitalismo Tardio e os Fins do sono tem sido particularmente afetado. As regras são ditadas pelo consumo desenfreado. Nada pode parar! Os direitos dos trabalhadores são fustigados por esta lógica, colocando em crise os fins tutelares, de proteção da parte mais fraca, do Direito do Trabalho.
Tal como resulta do teor da ILC, até 1977 o horário de funcionamento dos estabelecimentos regia-se pela legislação laboral. Posteriormente, os horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais passaram a ser estabelecidos por diplomas legais verificando-se a tendência para o seu alargamento, bem como a supressão da obrigatoriedade de encerramento de um dia por semana.
Atualmente, o regime dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais está consagrado no Decreto-Lei n.º 48/96 de 15 de maio, na sua versão atualizada. Este regime estipula que os estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços, incluindo os localizados em Centros Comerciais, podem estar abertos entre as 6 e as 24 horas todos os dias da semana. A partir de 16 de outubro de 2010 foram eliminados os limites para as grandes superfícies contínuas que poderiam estar abertas entre as 6 horas e as 24 horas todos os dias da semana, exceto entre os meses de janeiro e outubro, aos domingos e feriados, em que só poderiam abrir entre as 8 e as 13 horas.
Atualmente, conforme também está exposto na “petição”, compete às Câmaras Municipais a regulamentação do regime do período de funcionamento, de acordo com os limites constantes da Lei. Esta formulação legal, de acordo com o referido documento, tem originado que quer os Centros Comerciais, quer as grandes superfícies contínuas estejam abertos todos os dias da semana, todos os dias do ano, das 06h00 às 24h00. Trata-se de replicar o regime de países como a Áustria, a Alemanha, a Espanha, a Suíça, a Noruega ou a Grécia.
A APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição tem-se posicionado contra. Contudo, no setor do retalho, Pedro Subtil, líder do grupo Mosqueteiros, que detém as marcas Intermarché, Bricomarché e Roady, afirmou ao Jornal Económico : “Somos a favor de fechar aos Domingos”. Sem surpresas, conforme noticiava o jornal Público em agosto, os liberais são contra e os líderes dos maiores partidos não se posicionam.
Ainda assim, há dados novos.
A AMRR – Associação de Marcas de Retalho e Restauração tornou pública a vontade dos lojistas alterarem horários e fecharem mais cedo, em especial aos fins de semana e feriados após a realização de um inquérito aos seus associados.
Esta ILC convoca ainda uma dimensão fundamental do Direito do Trabalho, que está na base da sua fundação, lançada pelo movimento operário: a solidariedade. Trata-se de saber se a escolha pende, sobretudo no que toca ao encerramento aos domingos e fariados, para o consumo desenfreado ou para a construção de uma sociedade onde os trabalhadores podem ter a legítima expectativa de se poder dedicar ao lazer, a estar com os filhos, a família, os amigos, ao desporto à semelhança dos restantes, quando não existe nenhuma razão imperiosa para que assim não seja.
Aguarda-se a votação no Parlamento, mas é caso para perguntar…. É agora?
18/09/2024
Para quando a votação?
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=273897
Tal como pode ver no link acima baixou à Comissão no Parlamento. Não há ainda essa indicação.
É fundamental não esquecer este tema. Os trabalhadores têm direito a estar com as suas famílias. Estou de acordo com o encerramento ao domingo e o fecho ao sábado tambem, pelo menos de tarde.
Enquanto cliente não frequento grandes superficies e hipermercados ao domingo e evito tambem ao sábado, é importante ter essa consciencia pensando nos outros em vez de ir passear para o shopping ao domingo.
Um tema bastante pertinente e que urge alterar a lei, não pode valer tudo para a obtenção do lucro e incentivo ao consumo desenfreado, principalmente, à custa do tempo dos trabalhadores. É necessário mais e maior pressão da sociedade contra os interesses económicos das grandes marcas comerciais, que arrasam com o comércio local, incapazes de competir, mantêm reféns os trabalhadores e os consumidores. Os domingos e feriados deveriam ser respeitados como dias de descanso obrigatórios, sem excepção para os estabelecimentos comerciais e grandes superfícies. Diminuir o horário de funcionamento para horas aceitáveis, das 8h às 21h, contando que à hora do almoço estão abertos, é mais do que suficiente, para que todos nos possamos organizar na nossa vida quotidiana, sem abusar do tempo de trabalho dos outros. Disciplinar e educar é preciso.
Obrigada por este artigo, Concordo inteiramente com a análise da Joana.
Gostava só de referir que estas matérias têm a ver com as “condições do trabalho”, ou seja, com o “emprego”, e não com o “trabalho”. Muito disto resulta de um erro histórico na interpretação da formulação da OIT, aquando da sua criação. A versão francesa referia “um trabalho realmente humano” – ultimamente designado de “trabalho decente”, e a tradução para o inglês interpretou essa expressão como “condições de trabalho realmente humanas”, ou seja, salários, horários, contratos, etc.
Acho muito importante que, no mundo sindical, se tenha esta distinção em consideração; a distinção é hoje mais importante do que nunca.
Obrigada por este artigo. Também assinei a petição, porque me parece fundamental, para todos nós, contrariar a corrida para o fundo em termos laborais (e consequentemente sociais) a que vimos assistindo. Não percebi bem a referência à Alemanha. Pelo menos em Berlin, onde residi por alguns anos, vigora o fecho do comércio ao domingo – ainda que haja exceções, sendo a pressão para se ‘liberalizar’ este aspeto das relações laborais certamente forte por parte da grande distribuição.
Desde há muito que defendo o fecho do comércio ao Domingo. E considero que se deveria estender ao Sábado à tarde. Estão (ou deveriam estar) sempre em causa os direitos dos trabalhadores, há muito vilipendiados pelo neoliberalismo. Não podemos aceitar a violência do capital sobre os trabalhadores, configurada na contínua e sistemática transferência de valor do trabalho para o capital e no desprezo sobre os direitos.
Já assinei várias petições (…) neste sentido. E, como tal, pergunto também, é agora?
Artigo muito importante e que fornece fundamentação para o debate que o movimento sindical e os trabalhadores têm que travar sobre o tempo de trabalho