Sobre a Inteligência Artificial nas relações coletivas de trabalho: um guia oportuno e a urgência de o mundo do trabalho pensar esta realidade.
Sobre a Inteligência Artificial nas relações coletivas de trabalho: um guia oportuno e a urgência de o mundo do trabalho pensar esta realidade
É sabido que a Inteligência Artificial (IA) e os processos logarítmicos estão cada vez mais presentes, não só na organização da produção, mas nas relações de trabalho nas empresas. Nos processos de contratação, avaliação de desempenho, classificação profissional, despedimentos, progressão nas carreiras, remunerações, organização do trabalho e dos turnos, vigilância e controlo dos trabalhadores.
Na recente reforma das leis laborais, e na sequência da abordagem feita no Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho (2021), houve neste específico domínio um progresso, embora modesto, com a inclusão no Código do Trabalho nos artigos 424º (Comissões de Trabalhadores) e 466º (Delegados sindicais) de uma idêntica disposição que confere às estruturas dos trabalhadores nas empresas algum poder de intervenção:
A CT (ou os delegados sindicais)” tem direito a informação sobre: …. Parâmetros, critérios, regras e instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisões sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como condições de trabalho, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da atividade profissional” (Lei 13/2023). E ainda com a inclusão no artigo 3º do Código (Relações entre fontes de regulação), quanto ao núcleo de direitos sujeitos ao princípio do tratamento mais favorável, de uma nova alínea o) no seu nº 3: “Uso de algoritmos, inteligência artificial e matérias conexas, nomeadamente no âmbito do trabalho nas plataformas digitais”.
É também conhecido que o sindicalismo português tem um enorme défice e atraso no estudo, na preparação e formação das estruturas sindicais nas empresas e na definição de políticas, ideias e propostas próprias sobre a proteção dos direitos dos trabalhadores quanto à regulação da aplicação da IA nas empresas e à a negociação coletiva. O panorama é semelhante nas CT, que estão desprovidas de recursos próprios para se formarem e prepararem. Os relatórios anuais sobre negociação coletiva publicados pelo CRL (Centro de Relações Laborais) são elucidativos sobre a reduzida referência a estas matérias nas convenções coletivas publicadas. Os programas de ação e os documentos sobre política reivindicativa das centrais sindicais também confirmam a falta de reflexão e de orientações definidas sobre este tema. O projeto de programa de ação da CGTP-IN (na versão que conheço), em discussão interna para a preparação do seu próximo Congresso em fevereiro de 2024 é uma boa ilustração disto. Para lá das preocupações manifestadas quanto aos perigos e possíveis malefícios laborais do uso da IA por parte das empresas, há uma clara ausência de pensamento no que respeita ao que importa propor e defender na negociação coletiva e na ação nas empresas quanto a esta matéria.
Também os últimos acordos negociados na Concertação Social (sobre “rendimentos” e sobre “competitividade”) nada referem nesta matéria. Em contraste com isto, o último “Acordo para o Emprego e a Negociação Coletiva” assinado pelas confederações sindicais espanholas (CCOO e UGT) e pelas organizações patronais tem um capítulo inteiramente dedicado às recomendações e orientações para a negociação coletiva em matéria de inteligência artificial.
Este panorama contrasta com a abundante e crescente produção de informação, guias e manuais, estudos e seminários, ações de formação, por parte do movimento sindical europeu e de várias centrais sindicais. Abundante informação e documentos estão disponíveis no site do Instituto Sindical Europeu (ETUI), do Eurofound, da OCDE, etc. Não devendo sobrecarregar esta informação com muita documentação, creio que vale a pena, sobretudo para os sindicalistas e outros ativistas laborais, e a título de exemplo, consultarem o guia que acaba de ser publicado pela UGT espanhola, com recomendações para a regulação da IA na negociação coletiva. Apesar de ser determinado por uma realidade socio laboral distinta da nossa, contém informação que poderá ser bastante útil e motivo de reflexão para o sindicalismo e para os ativistas laborais por cá.
Encontram aqui o guia da UGT de Espanha – https://servicioestudiosugt.com/recomendaciones-para-la-negociacion-colectiva-de-la-ia/
Precisamos certamente de pensar a contribuição da Práxis para o estudo, a reflexão crítica e as propostas sobre este tema no mundo do trabalho em Portugal e promover a troca de experiências e informações sobre as boas práticas e os avanços que vão sendo construídos.
Henrique Sousa
Image by Freepik