“Anteprojeto” de Lei da reforma da legislação laboral”
Trabalho XXI ou a liquidação dos direitos laborais
O governamental “Anteprojeto” de Lei da reforma da legislação laboral”, pomposamente denominado “Trabalho XXI”, constitui uma verdadeira proposta patronal de destruição do que resta dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Desde logo, tal “Anteprojeto”, ao corresponder aos desejos dos sectores patronais mais retrógrados e aos compromissos que Luís Montenegro terá assumido aquando dos encontros mantidos na última campanha eleitoral, não constava – muito menos na sua totalidade – no programa eleitoral com que PSD e CDS se apresentaram às mais recentes legislativas e com o qual obtiveram a maioria de votos, configurando, assim, um autêntico golpe anti-democrático.
Depois, e como o Governo já deixou claro, estas novas e desastrosas medidas avançarão aconteça o que acontecer em sede de Concertação Social, mesmo que, para a sua aprovação, o PSD precise dos votos não só da Iniciativa Liberal, como também (e sobretudo) do Chega, evidenciando, uma vez mais, que o enfatuado “Não é não!” se transformou rapidamente num “sim” cada vez menos envergonhado.
Por fim, e como tantas vezes sucede neste tipo de ofensivas, a chamada “reforma da legislação laboral” é apresentada envolta no brilho enganador de expressões pós-modernas e no recurso a argumentos que, embora aparentemente sedutores, são falaciosos e até manifestamente falsos. Assim, assistimos ao habitual desfile de chavões ditos com muita pompa e circunstância, mas com pouco ou nenhum conteúdo real, como “flexibilidade” ou “flexibilização”, “necessidade de adaptação”, “combate à segmentação”, “recusa dos preconceitos ideológicos”, “eficiência”, “competitividade”, “criação de valor”, “renovação das empresas”, “simplificação” e “desburocratização”, entre outros. São, aliás, exemplos claros desse estilo o powerpoint de apresentação do “Anteprojeto”[1], realizado no passado dia 24/03, e o artigo intitulado “O trabalho que o século XXI reclama”, assinado pela própria Ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, e publicado no Público no passado dia 06/09.
“Nova” reforma laboral, velha lógica neo-liberal
Mas, afinal, estamos perante um dos maiores ataques de que há memória aos direitos de quem trabalha ou de quem já trabalhou uma vida inteira. A chamada reforma laboral que o Governo AD prepara, aplicando também aqui ideias e propostas do Chega, vai, aliás, muito além do que fora inicialmente anunciado e traduz-se num conjunto de manobras de diversão (como a “compra” de dias de férias, os subsídios pagos em duodécimos e as faltas por luto gestacional, amamentação e aleitação), destinadas a desviar as atenções do
essencial, para depois o Governo se mostrar “disponível” para rever esses pontos concretos. Trata-se, pois, da aplicação plena da velha lógica neoliberal, a mesma que presidiu à aprovação do Código do Trabalho em 2003. E um dos seus principais defensores foi – e continua a ser – o recém-nomeado Governador do Banco de Portugal, Álvaro Santos Pereira, ex-Ministro da Economia e do Trabalho do Governo de Passos Coelho, que muito recentemente chegou mesmo a defender uma revisão constitucional com vista a eliminar da Lei Fundamental a proibição dos despedimentos sem justa causa, sob o extraordinário argumento de que tal proibição constituiria o grande obstáculo à competitividade e à produtividade da economia portuguesa!
No fundo, trata-se da velha estratégia neoliberal da Escola de Chicago, da individualização máxima das relações de trabalho e da ideia de que só pode haver empresas estáveis e produtivas com trabalhadores ameaçados, constrangidos e permanentemente instáveis, preocupados em perder a sua fonte de subsistência e, assim, tornados disponíveis para aceitarem as mais degradantes e degradadas condições de trabalho, salariais e não só.
E que – sempre sob as tais frases pomposas ou expressões pseudo-técnicas, mas comunicacionalmente impressionantes, como as da flexibilidade ou flexibilização, produtividade, competitividade, eliminação das gorduras supérfluas, etc. – procura, afinal, a saída das crises do sistema capitalista à custa, sempre, dos mesmos: os trabalhadores. Sob a capa do combate à segmentação do chamado “mercado de trabalho” (isto é, à diferença, designadamente de salário e de estabilidade de vínculos entre os trabalhadores mais antigos e os mais jovens), o objectivo é fomentar a divisão entre eles e promover a igualização “por baixo”. Para tal, retira-se direitos aos que ainda os possuem, reduzindo a nada as respectivas condições.