Apresentação da videoconferência “Afinal, o que é a Segurança Social?”
Apresentação da videoconferência “Afinal, o que é a Segurança Social?”
8 de Novembro de 2023
Henrique Sousa (Práxis)
Realizamos esta nossa conferência sobre a Segurança Social no meio de uma inesperada e muita grave crise política de governação, uma crise institucional com provavelmente os contornos mais singulares da história da nossa democracia.
Julgamos, todavia, que este facto não retira actualidade nem necessidade ao debate e análise crítica de um dos mais importantes pilares do Estado Social, que é preciso proteger e defender activamente, nas crises e para além delas.
Perguntar-se-á, entretanto por que razão fazemos um debate exactamente sobre o pilar do Estado Social que se tem revelado mais sólido, mais estável e resiliente, que tem resistido positivamente a todas as investidas políticas da direita dos interesses e a todas as profecias de desgraças dos defensores da mercantilização da Segurança Social, de que as intervenções da Iniciativa Liberal em recente debate parlamentar sobre o OE foram mais um exemplo.
É exactamente pela grandeza e impacto deste sistema nas nossas vidas que é necessário um grande escrutínio, informação, participação e debate públicos para assegurar o presente e o futuro deste pilar da nossa democracia e da nossa vida em sociedade. As crises não resolvidas e existentes noutros pilares do Estado Social, como a escola pública, o SNS ou a própria habitação, alertam-nos para a necessidade de “não dormirmos na forma” ou, como também se diz, “adormecer à sombra da bananeira” dos resultados financeiros positivos actuais do sistema de segurança social pública e ignorar a necessidade de preparar respostas melhores para segurança das nossas vidas e das gerações futuras e para combater a desigualdade e a pobreza. A ligação essencial e histórica da Segurança Social com o mundo do trabalho exige que este esteja na primeira linha, de modo participativo, informado e esclarecido. Tanto mais que está anunciado para o início do ano, embora com esta crise política seja incerto e por esclarecer o seu futuro, um chamado “Livro verde” sobre a sustentabilidade da Segurança Social que exigirá intenso escrutínio público.
A segurança social, no seu regime previdencial de base contributiva e no seu sistema de protecção social de cidadania é, como se diz na economia, um dos grandes “estabilizadores automáticos”, protector contra as crises e problemas sociais. É o sistema que nos protege dos riscos e eventualidades na velhice, na invalidez, na viuvez, no desemprego, na doença, no apoio à família e no combate à pobreza. A sua grandeza é bem expressa no facto de as receitas da Segurança Social representarem mais de um quinto do PIB português; de se prever que tenha este ano uma receita de mais de 39 mil milhões de euros e uma despesa de quase 33,7 mil milhões, com grande saldo positivo; de assegurar as pensões de velhice, invalidez e sobrevivência a 2,7 milhões de pensionistas e de atribuir outras prestações sociais a 1,6 milhões de beneficiários. Isto sem contar os pensionistas do sistema especifico da CGA que não é hoje tema central do nosso debate.
São conhecidos os enormes e continuados apetites da direita dos interesses e do sistema financeiro para mercadorizarem pelo menos uma parte do nosso sistema público, fazendo penetrar os “mercados” no sistema de pensões, onde até agora permanecem à porta. Não desistem ,porém, como se vê pelas continuadas conferências e debates em que os seus representantes e vários especialistas insistem na insustentabilidade do regime previdencial, nas teses do plafonamento ou na exigência de benefícios fiscais para tornarem a oferta de regimes complementares privados mais atractiva. Ou quando vertem lágrimas de crocodilo pelos jovens e os riscos das suas reformas futuras, quando na verdade os riscos e incertezas económicos tanto afectam os sistemas públicos como os privados no mundo, mas só os públicos são solidários e têm a protecção do Estado.
Ou ainda quando a CIP apresenta o seu chamado “pacto social”, felizmente derrotado, onde defendia duas medidas significativas para enfraquecer financeiramente a Segurança Social pública e abrir caminho à penetração dos mercados financeiros no regime de pensões: o engodo do chamado “15º mês” voluntário e que não seria sujeito a pagamento de TSU ou IRS, assim privando o Estado e a Segurança Social de receitas; e a demagógica proposta de um aumento salarial aparente, com uma equivalente redução da TSU, em que 10 pontos percentuais do “aumento” seriam transferidos para um regime complementar de pensões que passaria assim de voluntário, como hoje sucede, para um regime obrigatório, e que desse novo fôlego aos regimes privados à custa da redução das receitas do Estado e da Segurança Social.
Sabemos que a Segurança Social pública é um sistema vivo ligado às mudanças no mundo do trabalho, à evolução do emprego, dos salários, da produtividade, da demografia e do aumento da esperança de vida. Não podemos ignorar os impactos na Segurança Social das tendências de redução da população em Portugal. Ou não ter em conta que um terço da população portuguesa terá mais de 65 anos em 2050, segundo as previsões da OCDE, com a maior pressão que isso significa sobre os serviços públicos.
Por isso, precisamos de reflectir sobre as políticas públicas, as medidas e as reformas que garantam a sua sustentabilidade financeira e também a protecção das gerações futuras. E que assegurem que este pilar do Estado Social cumpra melhor o seu papel redistributivo na redução da desigualdade e da pobreza e na protecção contra as eventualidades e riscos das nossas vidas. Para assegurar o futuro desta importante conquista democrática consagrada no artigo 63º da Constituição desde 1975, e na lei de bases da Segurança Social, de que celebraremos no próximo ano, coincidindo com a celebração dos 50 anos do 25 de Abril, o 40º aniversário da sua primeira versão.
É este debate para o qual queremos contribuir com esta conferência.
Para isso convidámos o José Cid Proença para ser o conferencista desta nossa sessão, desde já agradecendo a pronta disponibilidade que manifestou. Qualificado servidor público e especialista da Segurança Social, jurista de formação, ex-Director Geral da Segurança Social, tendo também sido docente universitário e ocupado outros cargos relevantes na área do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, incluindo na direcção de vários organismos ligados à Segurança Social, este debate fica certamente em boas mãos.